III Colóquio Sartre e Nietzsche: além do tempo

Participei como ouvindo do III Colóqui Sartre e Nietzsche: além do tempo, e vim trazer algumas reflexoes sobre assuntos apresentados no evento.

Elementos Nietzscheanos em Sarte

Os elementos nietzschianos presentes no pensamento de Jean-Paul Sartre aparecem de várias maneiras, especialmente em relação ao conceito de corpo, à distração e à autenticidade.

Ambos filósofos veem o corpo como essencial à existência humana, mas Sartre o explora como uma manifestação da liberdade, enquanto Nietzsche o relaciona à vontade de poder. A distração, em Sartre, refere-se a uma forma de má-fé, onde se evita a angústia existencial, conceito que ecoa a crítica de Nietzsche às ilusões que afastam as pessoas de suas verdades. Quanto à autenticidade, ambos defendem a vida autêntica, rejeitando convenções sociais e abraçando a responsabilidade e a complexidade da existência.

Um cruising filosófico: revisitando e articulando corpos de saber

O professor André S. Muskopf abordous a fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty e os temas de ambiguidade presentes nas filosofias de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Merleau-Ponty, um dos principais representantes da fenomenologia, enfatiza o papel do corpo na percepção, introduzindo o conceito de "corpo vivido," que vê o corpo como uma experiência subjetiva, essencial para a cognição e a percepção do mundo. Ele rejeita o dualismo mente-corpo de Descartes, propondo que a percepção é uma experiência integrada e ambígua.

Sartre, em "O Ser e o Nada," explora a ambiguidade da condição humana através do conceito de liberdade radical, onde a liberdade de escolha gera angústia devido à ausência de diretrizes externas. Já Beauvoir, em "O Segundo Sexo" e "A Ética da Ambiguidade," discute a ambiguidade nas relações de gênero, onde a mulher é vista tanto como sujeito quanto como objeto, gerando um estado de conflito. Ambas as filosofias destacam a complexidade e a responsabilidade da existência humana, com uma "aproximação furtiva" sugerindo uma exploração gradual dessas ideias profundas.

E apresentou o poema "Tempo de Salvação," de Nancy Cardoso Pereira, que aborda temas profundamente relacionados com a opressão patriarcal, o controle do corpo feminino, e a luta pela liberdade e autonomia. O texto é uma crítica poderosa às normas sociais que impõem às mulheres comportamentos submissos e silenciosos, restringindo sua liberdade de expressão e autodeterminação.

Tempo de Salvação

Me ensinaram a sentar sempre de perna fechada

etiqueta, selo, lacre

vão das pernas que nunca foi meu.

Me ensinaram a abri-las para um homem

aliança, cartório, meu bem!

Arrendada pra procriação.

Me ensinaram a ficar sempre de boca fechada

falar baixo, com jeito, graciosa

virgindade nas cordas vocais.

Estupro, abuso, abandono

balbucio monólogo aflito

grávida de não saber dizer não!

Kairós! Abro as pernas,

a grande boca de pequenos lábios,

e aborto por decisão.

Reassumo o vão entre as pernas

reforma agrária do meu próprio chão.

Gravidez? Só em estado de graça…

nunca mais filhos de aflição.

Mais que as pernas… quero abrir minha boca

Estrear minhas cordas vocais:

Eis o tempo de salvação!

Nancy Cardoso Pereira – do livro “Amantíssima e só”

Muskopf também trouxe uma reflexão sobre a pintura "O veado ferido" de Frida Kahlo.

"Frida Kahlo, em sua obra, reflete sobre o ser humano, o mundo e o sagrado, e as relações entre estas dimensões da realidade. Na sua intimidade ela expõe o mundo com suas dores e seus prazeres, e constrói a sua fé sem buscar pureza, objetividade ou ultimacidade..." (Musskopf, 2012, p. 457)

Relacionando a figura que se destaca e dá nome à pintura (um veado) com a homossexualidade no contexto brasileiro, através de um processo de apropriação simbólica e em consonância com a discussão realizada nos capítulos de sua tese "Via (da) gens teológicas: itinerários para uma teologia queer no Brasil"