domingo, 18 de agosto de 2024

Filosofia & Cinema

Taxi Driver: Um Marco Histórico e Cinematográfico.

Lançado em 1976, Taxi Driver é o quinto longa-metragem de Martin Scorsese e frequentemente aparece em listas das cem maiores obras cinematográficas de todos os tempos. O filme tem uma capacidade singular de dialogar com o contexto histórico, político, econômico e social dos EUA da década de 1970.
Marc Ferro, importante historiador francês, afirma que todo filme, seja ficção ou documentário, é uma fonte histórica que revela aspectos da sociedade que o produziu. Nesse sentido, Taxi Driver é um prato cheio.
Travis Bickle, o protagonista, personifica alguns dos dramas e sentimentos da população estadunidense da época. Dois pontos são fundamentais: o trauma da Guerra do Vietnã e o desinteresse pela política. Travis é um ex-combatente do Vietnã, o que não é explicitamente informado através de diálogos, mas sim pela composição visual do personagem: o casaco, o corte de cabelo moicano, as armas, incluindo a faca amarrada à bota, são referências, confirmadas pelo próprio Scorsese em entrevistas, ao Vietnã. 
O desinteresse pela política, exemplificado pela relação de Travis com Betsy, reflete um sentimento nacional logo após o Caso Watergate. Taxi Driver materializa, em seu personagem principal, os dramas e sentimentos que atravessavam a sociedade estadunidense na época de seu lançamento.
Além disso, o filme aborda os preconceitos aflorados no período pós-década de 1960 e retrata a profunda crise que a cidade de Nova York enfrentava na década de 1970. A cidade estava praticamente falida, com a crise do petróleo durante a era Nixon afetando profundamente sua economia.
Taxi Driver é, assim, um retrato poderoso e perturbador de uma época conturbada, refletindo a angústia e a alienação de um indivíduo e de uma sociedade em crise.
A Pele Que Habito: Uma Análise da Narrativa e das Teorias de Gênero.

Lançado em 2011, A Pele que Habito é o décimo oitavo longa-metragem de Pedro Almodóvar. O filme conta a história de um renomado cirurgião plástico que se dedica à pesquisa de uma pele humana artificial. Estruturalmente, a trama é dividida em quatro partes: a primeira, situada em 2012, em Toledo, considerada o presente, a segunda, ocorrendo seis anos antes, em 2006, a terceira, ainda em 2006, mas algumas semanas depois da segunda parte, e a última, que retorna ao presente. Essa estratégia de mudanças temporais, comum nas obras de Almodóvar, permite ao espectador acessar fragmentos dos personagens e da história, situando-nos sobre a trama de maneira única e característica do diretor.
Um aspecto relevante a ser destacado é a aproximação da narrativa de A Pele que Habito com as teorias de Judith Butler, especialmente no que diz respeito à relação entre corpo, gênero e sexualidade. Judith Butler, filósofa estadunidense nascida em 1956, tornou-se uma das principais pensadoras nos estudos sobre gênero. O debate sobre gênero, empreendido por Butler, perpassa pela filosofia da linguagem performativa, especialmente pela obra de John Austin, que propôs um debate acerca da linguagem que compreende a palavra não apenas como uma forma de designar coisas e objetos, mas também como uma maneira de realizar ações. Os verbos, por exemplo, são constantemente utilizados para designar ações. Judith Butler, ao abordar questões de gênero, utiliza essa filosofia para pensar a linguagem como uma performance, entendendo a linguagem enquanto um modo de realizar ações.
Desde cedo, segundo Butler, somos forçados a nos identificar com o gênero correspondente ao sexo, aprendendo a vivenciá-lo por meio de gestos, roupas, comportamentos, etc. Esse aprendizado ocorre por meio de regras implícitas, e, para Butler, o gênero não possui uma referência biológica, mas é formado a partir dos atos performativos que realizamos em nossas práticas. Gênero é definido por ela como um "conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida". A performatividade de gênero, então, corresponde à repetição contínua das normas de gênero.
Ou seja, para Butler, a noção de gênero não é algo natural, mas uma construção cultural e histórica. Essas discussões aparecem claramente nos filmes de Almodóvar, incluindo A Pele que Habito. 
Podemos observar essa abordagem nas cenas em que Robert empreende esforços para que Vicente/Vera apresente uma coerência entre o gênero que performatiza e seu novo corpo. Isso ocorre, por exemplo, quando ele "presenteia" Vicente/Vera com vestidos e itens de maquiagem. Além disso, nos momentos em que Vicente vivencia o feminino como performance de gênero para manipular Robert, essa concepção de gênero como performance torna-se ainda mais evidente.

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